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UBER, LYFT, E OUTROS ‘UNICÓRNIOS’ NA BOLSA: TEMOS UMA BOLHA?

21-05-19 | Notícias & Artigos de Fusões e aquisições | admin |

Em corrida contra uma de suas principais concorrentes, a Uber decidiu abrir seu capital na última sexta-feira 10 com uma oferta pública inicial (IPO) que já se tornou uma das maiores da história. A princípio, a empresa chegou a ser avaliada em cerca de US$ 120 bilhões. Nas últimas semanas, no entanto, já trabalhava com cifras mais modestas, entre US$ 80 bilhões e US$ 91,5 bilhões de dólares. No fim, estreou em Wall Street com ações a US$ 45 — que já sofreram queda —, a um valor de mercado de R$ 82 bilhões. Poucas semanas antes, havia sido a vez de sua concorrente, a Lyft, que viu o preço dos seus papeis caírem conforme as preocupações com o potencial de lucratividade da start-up se tornaram mais proeminentes. Mas Uber e Lyft não são as únicas a terem seus valores de mercado ‘inflados’: um estudo publicado no no Journal of Financial Economics no ano passado mostra que quase metade dos ‘unicórnios’, as start-ups cujo valores excedem US$ 1 bilhão, não valem, na verdade, tanto assim.

Os pesquisadores analisaram 135 start-ups — Uber, Lyft, Airbnb e WeWork entre elas — e, de acordo com o modelo de valuation que empregaram, descobriram que todas estavam, em média, 50% supervalorizadas. Quase metade delas — 65 — deixariam o seleto grupo de empresas mitológicas. Mas por que isso acontece? Quando uma empresa tem capital fechado, seu valor de mercado costuma ser avaliado pelo preço que os investidores pagaram para comprar uma participação nela. No caso das start-ups analisadas no estudo, por exemplo, todas passaram, em média, por oito rodadas de investimento. O que acontece é que, quase sem exceção, os investidores mais recentes pagam um preço mais alto por suas participações para terem garantias melhores de retorno — inclusive retornos garantidos caso a empresa abra o capital, por exemplo. Quando se parte, então, para a oferta pública de ações, as ações dos investidores anteriores, que não têm esses direitos e têm menos garantias de retorno, não valeriam menos? E se a maioria das ações de uma start-up valem menos, essa diferença não deveria ser refletida no valor de mercado da start-up? Pois é. Essa é a correção feita pelo estudo do National Bureau of Research.

Temos uma bolha?

Com a ‘superinflação’ de tantos unicórnios, há inclusive quem tema o ressurgimento da bolha das pontocom, quando muitas empresas de internet não sobreviveram às especulações no início dos anos 2000. A bolha atual, no entanto, é um pouco diferente — as grandes empresas dificilmente iriam à bancarrota. “Uma das diferenças básicas é o tempo de existência antes da entrada no mercado. As empresas da década passada tinham pouco tempo de existência e menos rodadas de investimento. Hoje, as que estão abrindo capital têm, em média, três vezes mais tempo de mercado”, pontuou o professor de empreendedorismo da FGV Rene Fernandes.

De acordo com Cassio Spina, fundador da Anjos do Brasil, uma entidade de fomento ao investimento anjo, as projeções naquela época eram bem superiores ao que o mercado, ainda incipiente, comportava. “São momentos diferentes, um mercado muito mais amplo, crescimento e potencial tecnológico maiores”, afirmou. Mas é fato que não há como prever se as estreantes na bolsa terão sucesso. “O mercado tem uma dinâmica própria com várias variáveis que influenciam”, disse, elencando fatores como liquidez, performance da empresa e conjunturas macroeconômicas.

Os investidores podem agir com mais cautela, mas a expectativa é que outras empresas abram seus capitais, seguindo o crescimento de IPOs observado nos EUA nos últimos três anos. “O IPO da Uber vai ser uma prova de fogo para saber se vamos continuar com fôlego. Esta vai ser a maior abertura da gig economy e uma das maiores da história, que irá balizar mais o futuro”, afirma Fernandes.

Segundo ele, apesar de algumas empresas ainda não serem lucrativas, elas estão mais maturadas e têm “certeza da existência de uma necessidade de mercado que estão solucionando”. É a perspectiva de expansão e refinamento do modelo de negócio, aliada à existência de um mercado real, que leva investidores a crerem nelas. Por esse motivo os gastos suntuosos não assustam — no ano passado, por exemplo, a Uber gastou mais de US$ 2 bilhões a mais do que arrecadou. No caso da Lyft, a empresa perdeu US$ 1,1 bilhão no primeiro trimestre de 2019. “É comum as gigantes de TIC buscarem uma posição hegemônica, para depois gerar lucro ao acionista. Google e Facebook são duas exceções. A maioria tem perdas ou lucros muito pequenos”, destaca o professor da FGV.

Segundo Spina, os investidores analisam o que chama de recorrência. Por essa lógica, a empresa pode gastar bastante para conquistar um cliente, já que, se ele for fiel, vai se pagar em algum momento. “Quem investe na Uber é muito mais com essa visão futura, de gerar uma base para conseguir clientes”, exemplifica. Além disso, as start-ups têm buscado mitigar riscos ao seguir etapas para angariar recursos, seja com investidores anjo ou por meio das chamadas “aceleradoras”, empresas que apoiam o crescimento rápido de start-ups. “O investimento em capital de risco e em mercado aberto pressupõe que haverá perdas. Isto precisa ficar muito claro. Mas, nos últimos anos, o que temos observado é um alongamento da cadeia de investimentos, com o objetivo de minimizar perdas”, disse Fernandes, afirmando que os investidores hoje em dia trabalham com muito mais segurança. “A investigação sobre a empresa e o mercado é bem mais robusta”.

Como andam as start-ups no Brasil

O cenário para as start-ups brasileiras é animador — da abundância de aceleradoras e investidores-anjo a grupos de investidores e investidores de private equity (em empresas já estabelecidas), sem contar incentivos do governo. Mas apesar do mercado “pujante”, ainda há grandes desafios a serem superados, segundo Spina. “Temos pouca inovação tecnológica. As start-ups brasileiras são muito inovadoras quanto a modelos de negócio, mas não em tecnologia, em base. É preciso fomentar mais isso”.

Entre as que atraem mais olhares dos investidores estão as fintechs e as agritechs, além de empresas de mobilidade urbana. “O país tem um grande potencial para deixar sua produção agrícola cada vez mais sustentável e estamos no momento certo para fazer a revolução na mobilidade urbana, saindo do automóvel individual para o transporte coletivo otimizado e para soluções antigas, como a bicicleta”, explica Fernandes.

Outro setor que tem crescido é o de impacto social. start-ups com essa preocupação têm recebido aportes de investidores que se importam não apenas com os lucros, mas também com as consequências do serviço para a sociedade.

Mas embora as start-ups brasileiras tenham evoluído, ainda são poucas as que atingiram o status de unicórnio – há, aliás, uma imprecisão em relação ao número das que poderiam ser enquadradas na categoria. Estudos já defendem a classificação do valuation em reais, para adaptar à realidade do mercado local. Se a quantidade de unicórnios no Brasil ainda não extrapola sequer uma dezena, ao menos o risco de muitos “perderem seus chifres” é menor.

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