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Valuation de startups: arte ou ciência de atribuir valor às novas empresas

Artigo

A valoração de uma startup – ou seja, valor atribuído a ela em um investimento – é um trabalho que pode ser comparado mais à arte do que à ciência. Parece que, mesmo investidores mais racionais, ao fazer o processo de valuation, não conseguem fugir de uma prática nada científica de atribuição de valor, o ‘spray and pray’ (espalhar e rezar).

Como resultado, há enorme dificuldade em atribuir valor a projetos de inovação. “A atribuição de valor a uma empresa é bastante complicada porque você acaba precificando a dedicação daquele empreendedor. Mas existe a máxima de que seu negócio só vale aquilo que alguém está disposto a pagar”. As palavras são de Patrícia Osorio, fundadora da GVAngels e das startups HomeRefill e Birdie.

Fórmulas e limitações

Para Patrícia, startups mais avançadas são mais fáceis de serem avaliadas porque o mercado já consegue trabalhar com indicadores. Mas ela ressalta que, mesmo essas fórmulas têm limitações, porque costumam multiplicar o Ebitda (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) por um fator de crescimento do setor.

Mas, em uma nova empresa, este processo será, via de regra, negativo ou marginal, e o potencial do mercado também é difícil delimitar, já que a ideia é destruir ou revolucionar o setor.

Com isso, a dificuldade de criar fórmulas confiáveis nesse primeiro estágio dificulta o consenso entre investidores e empreendedores. Consequentemente, alguns negócios são fechados levando em conta o valuation descontado na próxima rodada.

“O valuation nada mais é do que um cheque por um percentual da companhia. Você faz a divisão e chega a um valor total da empresa”

Pedro Meduna, presidente do Cabify no Brasil

Valuation das startups tem pessoas como principal elemento nas primeiras fases

Portanto, uma avaliação de startup precisa ser pareada inicialmente numa condição sem nenhum aporte. Segundo Fernando Cabral, autor do livro “Avaliação de empresas e os desafios que vão além do Fair Value”, é necessário pensar o primeiro passo apenas com o que o empreendedor tem no bolso. “Depois, o empreendedor precisa fazer o cálculo do valor da empresa no caso de receber aportes de diferentes tamanhos e importância”, afirma.

Conheça abaixo as três partes no processo de avaliação do valor de uma startup:

Etapa 1

Raphael Augusto, startup hunter da Liga Ventures, aponta que a valoração está relacionada a alguns fatores: equipe, tamanho de mercado, tecnologia embarcada, realização e potencial de crescimento e ritmo de retorno. Para Raphael, na primeira fase, o que pesa mais é a qualificação e tamanho do time e a habilidade do empreendedor. “O costumamos costuma dizer às startups que estão começando é que, boas ideias um monte de gente tem, mas são poucas as que conseguem realizar”, destaca.

Pedro Meduna, presidente da Cabify no Brasil, diz que nessa etapa os investidores estão preocupados também com o problema que a startup quer solucionar e o tamanho da indústria. “É importante que a indústria endereçada seja grande, porque é tão difícil você acertar o investimento que apenas com uma indústria pequena não vai dar muito upside para o investidor”, ressalta. “O investidor faz vários aportes assumindo que 90% não vão dar certo”, completa.

“Nesse estágio inicial, a intenção do investidor deve ser um percentual baixo na companhia porque ele vai querer que o empreendedor tenha maior parte da companhia para continuar motivado e crescendo”

Pedro Meduna, presidente do Cabify no Brasil

Etapa 2

A segunda fase de valoração é a da construção de variáveis, de índices de previsibilidade e ganho de escala. “Quando você está no começo você está testando coisas e vendo modelos de negócios que vão ficar de pé. No segundo estágio, você superou essa etapa e passa a focar em escala”, detalha Raphael.

A partir daí, são criados modelos preditivos que possibilitam a construção de índices sobre o potencial de crescimento do mercado como um todo e quanto a startup vai conseguir abocanhar desse mercado.

Etapa 3

A fase seguinte para Raphael é a de pré-IPO. Nessa terceira etapa, o mercado passa a ditar o valuation. “O mercado começa a ver de maneira diluída e a precificar o negócio a partir de índices sobre o quanto já está consolidado e o quanto ainda pode crescer”.

Essa fase pode trazer surpresas negativas, como aconteceu com o WeWork, que ao fazer a avaliação para sua abertura de capital teve seu valor de mercado achatado porque o valuation feito até então não condizia com o que o mercado estava avaliando.

“A construção dos modelos de valoração vem do empreendedor, que costuma fazer isso com base em práticas de mercado. Não tem muitas fórmulas diferentes, mas essa valoração varia muito de acordo com a tese do investidor e com o mercado a ser explorado”

Raphael Augusto, startup hunter da Liga Ventures

A hora do bilhão

Quando uma empresa está mais próxima de virar um unicórnio, o desafio dela é gerar lucro. Ou, ao menos, fluxo de caixa.

Pedro afirma que, a forma de calcular o valor nessa fase é o discount cash flow, que traz futuros fluxos para o presente.

“Quando a empresa ainda não tem este fluxo de caixa, há outros múltiplos que ela pode ser comparada. Como, por exemplo, empresas de tecnologia com ações na bolsa sem fluxo de caixa positivo. Compara também o múltiplo de receita e crescimento”, explica o executivo, que ressalta que mesmo essas metodologias mais elaboradas são mais um “exercício de futurologia” que algo científico.

“Se a companhia está em um setor que resolve um problema real, continuar a crescer e parar de investir tanto para aumentar, começará a gerar fluxo de caixa. E se a startup trouxer este valor de fluxo de caixa a valor presente, chega-se ao valuation”

Pedro Meduna, presidente do Cabify no Brasil

De acordo com Raphael, outro ponto importante na valoração de uma startup, é a capacidade em impor barreiras à entrada de novos players. Um exemplo é a Didi, aplicativo de carona chinês que conseguiu barrar a ascensão do Uber no País. No Brasil, o iFood freou a ascensão do Uber Eats.

Tamanho do mercado captável

Mas o Uber não tem só derrotas. Ao contrário. Conseguiu identificar com precisão o potencial de mercado no Brasil e explorá-lo de maneira eficiente mesmo antes dos players locais, como a 99, que nasceu aqui.

Em sua operação no País, a empresa identificou problemas visíveis no sistema de caronas pagas. Entre eles, déficit de taxistas, concentração de mercado em cooperativas, demora para a entrada de novos players e preço. “Existia demanda maior que oferta e que hoje pode ser atendida. E existia, principalmente, uma avaliação mediana a ruim do serviço prestado”, destaca Raphael.

“A maioria dos investidores tem uma tese, que é o seguinte: estabelecem os tipos de negócios e indicadores nos quais querem investir. Então, quando você vai apresentar o seu negócio para o investidor, eles esperam que você esteja dentro daquela tese”

Raphael Augusto, startup hunter da Liga Ventures

Valuation das startups

Só no primeiro semestre, foram investidos US$ 2,6 bilhões em startups nascidas na América Latina, segundo a LAVCA (imagem: Unsplash)

Mercado total

Ademais, o Dr.Consulta entrou em um mercado que pode abranger a quase totalidade da população brasileira. Ou seja, aquela parte que acha os serviços de saúde privada muito caros e outra que sofre nas filas de espera do sistema público.

“Era um mercado cada vez mais decadente nesse sentido, você não conseguia enxergar uma luz no fim do túnel. Mas existe uma equação que o Dr. consulta tem resolvido com preço baixo e serviço de qualidade a partir de tecnologia”, explica Raphael.

Porém, essa equação não é fácil de resolver e para que a empresa mostre ser capaz de ocupar esse mercado enorme precisa acelerar a tração, ainda baixa. Ter um valuation bem definido e saber o tamanho exato do mercado explorável não são suficientes. É necessário ter condições de realizar esse avanço antes que os concorrentes apareçam no horizonte.

*Colaboração de Éric Visintainer

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